Viver é Imprevisível

31/10/2023

31.10.23

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Pilotava sua motocicleta naquela estrada de curvas suaves e com retas tranquilas. Estava pouco movimentada. A velocidade, despercebida por ele, o levava absorto em seus pensamentos, sem sequer notar a paisagem. O dia era claro e iluminado, deixando as cores das matas, da serra e do céu mais vividas e límpidas. A temperatura era amena. Um ótimo dia para viajar assim, como mais gostava, com a sua moto.

Questionava-se sobre a sua já longa existência. O tempo passara rápido e seu futuro era pouco. E, deslizando suave e velozmente pelo caminho, pensou que se morresse naquele momento, em um acidente, teria valido a pena ter vivido como viveu? Teria?

Vieram lembranças. Da sua infância agitada e superativa, e reprimida também, pois causava transtornos e incômodos a sua família por ser assim. Hiperativo, talvez.

Da adolescência, quando as últimas verdades são desvendadas, continuou sendo diferente, com suas viagens de carona e mochila pelo país afora, como para o exterior, pois queria conhecer outros lugares, povos, costumes e culturas. Sua rebeldia imperativa, sempre se contrapunha aos dogmas de como ser na época. Viajou bastante e conheceu muitos lugares e pessoas interessantes, que talvez nunca mais as encontre. Mas, valeu muito os momentos fortuitos, que o destino imprevisivelmente lhe apresentou.

Adulto, formado e casado, sentiu a maior das suas alegrias: a de ser pai! Sim, valeu a pena ter vivido até então. Uma dádiva divina, ser pai. Os amores da sua vida, seus dois filhos e a sua razão de viver. Sorriu emocionado!

E vieram os netos, queridos e libertos, com suas perguntas e ações espontâneas, regredindo ele para a mesma idade deles, deixando-o feliz em ser a criança que foi e continua sendo.

Uma curva longa e fechada surgiu, fazendo com que voltasse à pilotagem, deixando-o arrepiado de felicidade, ao deitar com a motocicleta, dominando-a, sentindo que ela queria se desgarrar e escorregar. Manteve-a no curso da curva.

Seguiu com seus pensamentos e questões existenciais, concluindo que se morresse naquela viagem, pelo que viveu e sentiu, valeu a pena sim. Não só existiu!

Chegou ao seu destino, feliz em saber que ainda podia desfrutar da sensação maravilhosa de liberdade e desafio, pilotando em alta velocidade, e com pericia, sua máquina possante, pois a morte o acompanhou desafiadora em cada centímetro da estrada, e que poderia a qualquer momento, distração e ou imprevisto, se manifestar. Desafiou-a mais uma vez.

Viver é imprevisível!