Uma Bela Pernada

09/11/2023

09.11.23

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Levei minha moto para fazer revisão. O mecânico fica no continente, ou melhor, no "ixtreito" como dizem o "manézinhos" aqui da ilha, com seu sotaque e jeito de falar inconfundíveis. Está a dez quilômetros aproximadamente da minha casa.

Saí cedo, antes das oito horas, pois como combinei com o chefe da oficina, de chegar à primeira hora para que pudesse aprontá-la até sexta-feira, pois era quarta-feira. Programei viagem à São Paulo no sábado. Meu filho mais novo faria trinta e nove anos na semana seguinte e fazia mais de dois meses que não o via como ao seu irmão, noras e netinhas, minhas queridas. Saudades!

Deixei lá a motocicleta, ou "La Poderosa" como a chamo, e resolvi, já que eram apenas oito horas da manhã, ir a pé até a minha casa. Uma boa pernada.

Fui caminhando pela avenida, tranquilo e sem pressa, passeando, pois na fase da vida em que estou, tenho tempo sobrando.

O dia estava nublado, cinzento e ventoso dando coloração amena ao mar e a cidade, mas sem cara de que choveria. Ótimo para caminhar.

Olhei o mapa no celular, estimando em duas horas e quarenta e cinco minutos o tempo para percorrer o trajeto. Uma bela pernada mesmo.

Continuei meu passeio, chegando à ponte Hercílio Luz, o famoso cartão postal da cidade, recuperada depois de mais de trinta anos - concluída em 1924 por empresa americana que trouxe toda a parte metálica, e reaberta ao tráfego em 2019 para carros e ônibus somente, como para ciclistas e pedestres, com vias laterais respectivas.

Segui admirando do alto da ponte a cidade emoldurada pelos morros verdes sem brilho e do mar cinza escuro, mas não perdendo, mesmo assim, a sua beleza e originalidade. É uma bela cidade.

Ventava bastante, fazendo ondulações curtas no mar que quebravam com uma pequena crista de espuma, os "carneirinhos" como chamam, e as lufadas, quando fortes, empurravam-me para o gradil da ponte. A cada veículo que passava, sentia-se o trepidar do piso.

Cruzei a ponte e segui pela Avenida Beira Mar Norte, que foi totalmente aterrada, fazendo-se a dragagem da baía entre os anos de 1960 e 1980, ano da sua ampliação e formato atual, na qual há ciclovia e pista para pedestres em todo o seu percurso. É muito parecida com as do Rio de Janeiro, Avenida Atlântica, por exemplo, com seus prédios vistosos e modernos ao longo de toda ela.

Naquele horário, perto das nove horas, muitas pessoas caminhavam, corriam, pedalavam. Exercitavam-se ali. O trânsito já era infernal, com muitos carros e longas filas nas quatro faixas da avenida ao lado do calçadão em que eu passeava, do pessoal indo trabalhar . Observava a baía de mar cinzento e calmo, como um espelho, com sua vista recortada ao fundo pelo continente, aparecendo ao longe as silhuetas dos prédios, com fragatas majestosamente planando ao vento, quase que paradas sobre a minha cabeça.

Já havia andado quatro quilômetros e minhas pernas começaram a doer. A idade não perdoa, pois imaginei, como se tivesse meus vinte anos, que percorreria estes dez quilômetros tranquilamente, sem qualquer problema de cansaço ou dores. Ledo engano. As outras pessoas ultrapassavam-me na sua caminhada matinal compassada e acelerada, até alguns mais velhos do que eu acredito. Não me abalei, segui o meu passeio, dolorido.

As pernas começaram e se fazer presentes, tornando-se cada uma como duas toras pesadas. Parei e sentei-me em um banco de madeira para fotografar a vista que me apetecia, como desculpa para descansar por alguns minutos observando a baía.

Levantar foi difícil. Os músculos das pernas ficaram retesados e duros e as costas encurvadas. Eu parecia um entrevado. Comecei a cogitar em chamar um "Uber", mas disse não ao meu cansaço, e segui com o meu andar capenga. Logo, os músculos esquentariam e as dores passariam.

Eram nove e meia e ainda faltavam cinco quilômetros. Então, seguindo este ritmo, chegaria às onze horas da manhã, muito acima do previsto pelo GPS do meu celular. Talvez, a estimativa dele fosse para alguém correndo, ou para um jovem.

Às dez e meia, cheguei aos oito quilômetros, com as dores se mantendo. Um Shopping Center na avenida estava próximo e fui até lá. Entrei e sentei-me em uma confortável poltrona no ar fresco. A caminhada, que imaginava fácil, tornou-se um martírio. Faltavam ainda dois quilômetros para a minha casa e o caminho seria pelo bairro em que moro, com ruas sinuosas, como um labirinto.

Demorei sentado bem uns quinze minutos e aproveitei para enviar as fotos da minha epopeia para meus amigos, que brincaram comigo dizendo que eu devia chamar o atendimento médico do shopping.

Parti para o fim do percurso, um pouco mais animado, mas condoído com o meu corpo, obrigando-me e dar um suspiro alto.

Finalmente cheguei cambaleante, sedento e transpirado, mas feliz em conseguir vencer os dez quilômetros com dores por todo o corpo.

Foi um bom desafio, mas que da próxima vez, talvez não faça. Passei o resto do dia descansando.

Foi mesmo uma bela pernada.