A Dura Vida de um Gato – Engolir Sapos

02/11/2023

02.11.23

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Todos os dias pela manhã, o homem da casa, ao abri-la, coloca ração para mim e para os pássaros. Fico injuriado pelo uso da minha ração para as aves, não comendo de imediato, mesmo que faminto.

Depois de nos alimentar, ele volta para a casa e algum tempo depois retorna com a mulher, sentam em um banco na garagem, tomam café, conversam e olham os pássaros comerem.

Eu aproveito e subo ao lado do homem para me aninhar em seu colo. Às vezes ele deixa, às vezes não. Mas sempre me dá carinho em qualquer uma das situações.

A mulher é querida também, mas menos carinhosa, pois diz que o sou dele e não dela. Mas, me acarinha também. Gosto deles!

Passo a maior parte do dia deitado e um grosso pano, uma fronha acredito, de alguma almofada velha estendida sobre um canto do sofá na sala. Ou ao sol no mezanino. Não durmo dentro da casa. Todas as noites o homem me leva para fora e me dá um pouco mais de ração. Tenho uma vida de rei aqui.

Mas, para chegar a esta condição, tive que me impor aos meus concorrentes felinos, que por ser novo na região, vinham à noite tentar ocupar o meu território.

Patriarca, o gato da casa da esquina que enfrentei assim que mudei, tentou algumas vezes. Brigamos feio, defendi meu espaço e ele se aquietou. O gato malhado, como eu, mais novo e, portanto, mais agressivo, com frequência aparecia no muro, mas evitando-me, ou testando-me, pois a cada noite ele mais perto chegava do meu jardim.

Até que um dia aconteceu o nosso embate: ele estava no gramado demarcando com sua urina o meu território, quando voltei das minhas andanças noturnas. Ao ver-me, se encolheu todo e eriçou o pelo das costas, começando a chiar agressivo, encarando-me. Queria brigar!

Não dei bola. Caminhei até a minha casa tranquilamente, deitei-me e observei-o, atento, para lhe dar um carreirão. Ele se desarmou, e pensando que já era seu aquele jardim, ajeitou-se para defecar na grama. Foi a minha deixa.

Deslizei-me agachado e imperceptível, pé ante pé, até o seu rabo dando uma enorme mordida, fazendo com que o pobre moleque uivasse de dor e susto, dando um salto de circo e fugindo para o telhado da garagem da casa. Voltei para a minha casinha e dormi o sono dos justos.

Pela manhã, bem cedo, o homem veio saber quem fazia aquele barulho no telhado, olhando para cima e vendo meu "sósia". Perguntou-me:

-Ué Pebas, arrumou companheiro ou concorrente? Ele se parece com você.

O gato novo tentava se equilibrar sobre as telhas esmaltadas usando suas unhas, mas não conseguia e escorregava, emitindo som fino e estridente. Quando viu o meu dono, fugiu amedrontado aos trancos e barrancos para a casa ao lado. Eu, vencedor, roçava meu corpo e rabo nas pernas do homem, que me disse:

-Ehehe, o espantou Pébita! Você é o dono do pedaço, hein? – acariciando-me as costas

Passo as manhãs observando os pássaros comerem, e caso descuidem, eu os abocanho. É o nosso instinto predador, imperativo e incontrolável.

As rolinhas são as mais distraídas e os joões-de-barro, os mais atrevidos, vindo bicarem a ração no meu prato. Já abocanhei alguns. Um deles se fingiu de morto, e quando o trouxe até a porta da entrada da casa para mostrá-lo ao meu dono, ao soltá-lo da minha boca, voou desesperado, deixando-me boquiaberto com a sua artimanha. Esperto!

As tontas das rolinhas rodam pelo piso da garagem, brigando entre elas, e com os demais, para comer tudo. Esquecem de que há um gato na casa. Pego-as com frequência, são presas fáceis. Às vezes, aparece um casal de gralhas azuis, mas são grandes e pesadas. Ainda não consegui abatê-las. Também, os biguás pousam no gramado ciscando com seu bico longo e pontiagudo que não me atrevo enfrentá-los. Esta é, basicamente a fauna que tenho para manter meus instintos ativos.

Então, em um dia caminhando calmamente pelo meu gramado, ouvi um som diferente. Fui até ele. Um sapo coaxava. Ainda não tinha caçado um deles, e curioso, mordi-o. Sua carne mole e elástica, gosmenta também, tornava difícil matá-lo. Então, joguei-o para o alto e abocanhei-o novamente. Ele soltou uma gosma branca ácida e de gosto insuportável, deixando-me com a boca formigando. Eu babava sem parar! Soltei-o. Ele ficou parado por instantes, e depois foi saltitando em direção ao canto úmido do muro, indiferente.

Fui rapidamente tomar água. Minha boca queimava como uma brasa e espumava. Meu dono acompanhou a minha malfadada caçada.

-Pois é Pebita, você não engole sapo, hein! – falou ele rindo gostosamente, provavelmente da minha cara.

Não engulo mesmo!